BRAULIO TAVARES

Gerson Lodi-Ribeiro

Quando penso no Bráulio, amigo velho de mais de trinta anos de andanças e eventos da ficção científica brasileira, a primeira coisa que me vem à cabeça é uma expressão em latim, primus inter pares. O primeiro entre seus iguais. Só que Bráulio Tavares é bem mais do que isto. Porque, em termos de literatura fantástica, não só brasileira como lusófona, ele é indubitavelmente o melhor entre iguais. Optimus inter pares.

Só que ele também não é só isto. Pois, o que dizer de um ser humano(?) capaz de exercer tantos ofícios — de cabeça, sem consultar o verbete dele na Wikipédia: poeta; cordelista; dramaturgo; jornalista; escritor; roteirista; tradutor (de Wells a Willis, passando por muitas outras “iniciais” de renome, dentro e fora da literatura fantástica); músico; e letrista — com proficiência magistral? Isto para não falar dos ofícios e ocupações de que esqueci. Mais do que mero polímata, Bráulio é um polígrafo. Não um detetor de mentiras, é claro, mas sim a pessoa que é capaz de escrever acerca de diversos assuntos. Escrever, na melhor acepção desse termo.

Li meu primeiro Bráulio Tavares um ano antes de conhecê-lo pessoalmente: O que é Ficção Científica (1986), publicado pela Brasiliense em sua coleção Primeiros Passos. Um livro breve e conciso, como qualquer texto introdutório deveria ser. Abrangente também, como só os melhores textos introdutórios logram ser. Meu primeiro contato imediato com o Bráulio se deu no playground do prédio do amigo comum Cid Miranda, em agosto de 1987, na primeira reunião mensal que compareci do segmento carioca do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC). O evento ficou marcado em minha mente pelo comentário do Bráulio, com aquele seu jeito perspicaz e jovial, ao se confessar farto de assistir filmes de FC com insetos e aracnídeos gigantescos criados pelos efeitos nocivos das explosões nucleares e que adoraria assistir um filme desse tipo que mostrasse elefantes reduzidos ao tamanho de camundongos.

Bráulio escreveu de tudo um pouco e sempre muito bem. Por isto, não espanta que tenha sido agraciado com várias premiações ao longo de sua carreira literária (e não só). Não citarei todos, até pelo receio de esquecer um ou mais prêmios importantes. Porém, os dois que mais me impressionaram foram o Jabuti 2009 na categoria literatura infantil, com A Invenção do Mundo pelo Deus-Curumim e, sobretudo, o Prêmio Editorial Caminho de Ficção Científica 1989, com a coletânea Espinha Dorsal da Memória. Como os demais amigos do CLFC-Rio daquela época, compareci à saudosa livraria Camões, para “tomar um vinho” (assim constava no convite) e comemorar a premiação e o lançamento da coletânea no Brasil.

Participei de diversas mesas-redondas com o Bráulio. Em colégios, convenções de literatura fantástica (normalmente em Sampa) e até uma no campus da FIOCRUZ em 2004. Meu amigo costuma ser o centro das atenções nesses eventos, visto que sua verve prodigiosa não se limita à escrita. Desde que o conheci, tenho a impressão nítida de que Bráulio é capaz de discorrer sobre qualquer assunto, sempre de maneira a encantar a plateia, a ponto de não sentirmos o tempo passar. Muitas também foram as viagens que fizemos à cidade de São Paulo para participar de convenções ou reuniões do CLFC-SP.

Perdi as contas do número de lançamentos em que encontrei o Bráulio. Contudo, os mais marcantes foram o da antologia Como Era Gostosa a Minha Alienígena! no SESC-Tijuca em março de 2003, quando ele me confidenciou que havia declinado do convite para participar com um conto, por não ter acreditado que o projeto decolaria, e o lançamento carioca de uma outra antologia, cinco anos antes, a Outras Copas, Outros Mundos, em plena Copa do Mundo de 1998, na livraria Beringela, em que ambos comparecemos como autores. Aliás, isto me lembra da última vez que encontrei o Bráulio. Foi justamente noutro lançamento na Beringela: o romance Back in the U.S.S.R. do nosso grande amigo comum, Fábio Fernandes, em fins de 2019, dois meses antes da chegada da Covid-19.


Gerson Lodi-Ribeiro é escritor carioca de ficção científica e história alternativa.

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