TRUPIZUPE DO FUTURO

Valeriana Gibson


Braulio Tavares veio do futuro. Ele veio do futuro pra avisar que o futuro é nordestino, que o futuro é Jackson do Pandeiro, o futuro é Marinês. Ele vei pra dizer que lá no futuro tem uma sanfona nos esperando. Um futuro com Naves espaciais, com Marte bem ali, como uma segunda lua, capturado pela gravidade terrestre; pra onde se vai e de onde se vem, todo dia, como quem pega o 422. Soube dessas lorotas e fui ler o que ele andava escrevendo, porque a pessoa vem do futuro pra escrever sobre coisas futuras, com o privilégio de quem lá esteve. E ele escreveu não foi pouco não! Tem poema, tem cordel, tem letra de música, peça de teatro, infanto juvenil… tem música, tem teatro, tem palestra. Pense num assunto! E dizem que ele trouxe isso tudo já escrito, do futuro, e tá só passando a limpo. É o que dizem. Não julgo. Eu faria o mesmo. Veja bem, se ele tá escrevendo tudo isso agora, quando essas coisas todas alcançarem o futuro, ele vai ver tudinho… e aí volta pro passado sabendo que já escreveu, e escreve de novo. É estranho isso, né?! Chama-se paradoxo, eu acho. Esse povo que viaja no tempo, gente que é pai da própria avó, não dá pra confiar. Ainda mais artista!

Mas de que futuro Braulio veio? E está a serviço de quem? Ou do quê? E por que escreve tanto? Esses são mistéiros sobre os quais nos debruçamos sem respota. Ele acha graça. Já leu todos os livros, torc pelo Treze de Campina Grande e pelo Flamengo, já tem uma vida aqui. Será que fugiu, gente, da opressiva sociedade do século 32?! Lá quando ninguém poederá escrever. Daí essa danação, essa vontade de botar as ideias todas no papel. E o pior é que ele leva jeito pra escrita, e verseja bem que só.Tomou gosto pelo século 20. Dizem também que lamentou quando o século acabou e o tão esperado ano de 2001 abriu suas primeiras horas. Dizem que foi pra janela e pensou: Lá se vai o século 20. Adeus, companheiro. Vai saber se foi assim mesmo.

E agora completou 70 anos, esse Trupizupe! Diga-se, 70 anos aqui no presente. Porque lá no futuro viveu outros tantos. Você sabe como é que se viaja no tempo? Não? A pessoa, o viajante, tem que nascer naquele ano para o qual ela quer viajar. É isso… a diferença de uma pessoa que nasce mesmo e um viajante do futuro, é que ele traz as memórias do amanhã. Lembra de tudo, mas guarda segredo e cumpre o plano, que pode ser espionagem, uma fuga, uma desdita, uma pesquisa para um doutorado. Braulio tá aí, escrevendo, produzindo, lendo aqueles livros todos da estante dele, porque em cada ciclo do seu looping temporal ele lê os livro que ainda não leu, e assim se enche de sabedoria, mas sabedoria no sentido João Grilo do termo, sabedoria como esperteza. Mas às vezes, ao poeta, tem também a angústia das errantes andanças temporais, e de ter que guardar em segredo o desatino de viver uma vida inteira em outro fuso. Termino, pois, meu testemunho com um poema que Braulio escreveu e diga-me você, se não é a pura confissão de um viajante do futuro que não pode falar pra ninguém de quando veio.

Sete-estrelo

E eu, que de meu só tenho um verso,
e que a ninguém posso dizê-lo?
E olho, de fora do universo,
como se torna o fogo em gelo?
Sigo correndo sobre o abismo
pisando um fio de cabelo,
e o quanto vivo não entendo
se sonho é, se pesadelo.
Eu, que entreguei o meu destino
à proteção do Sete-Estrelo,
e cavalguei meu próprio corpo
como alazão montado em pelo?
E que no fim, mudo, submerso,
quebrei o vidro do meu verso,
e já não tenho a quem dizê-lo?


Valeriana Gibson é escritora. Vocês não conhecem.

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