FRAGMENTOS DE PRIMEIRAS MEMÓRIAS

Bruno Gaudêncio


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Na faculdade de comunicação social da Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande, eu costumava roubar as páginas da Coluna dele presentes no Jornal da Paraíba. Nas nossas aulas de jornalismo comentava-se tanto o nome dele que o colega Rostand Melo sugeriu que nossa turma se chamasse Bráulio Tavares. Concordamos. Quando o curso foi transferido do bairro do São José para a Central de Aulas, em Bodocongó, o prédio ficou praticamente abandonado. Eu passava de ônibus em frente ao edifício e vi ao longe a nossa placa. Um dia não encontrei mais as placas. Soube que arrancaram das paredes ficaram imprestáveis. Foram para o lixo. Ficou na memória.

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Era um sábado no miniteatro Paulo Pontes. 15 horas. O professor Luís Custódio convidou toda a nossa turma de jornalismo para uma palestra de Bráulio Tavares. O tema era música. Além dele outro campinense ilustre palestraria: José Teles, crítico de música no Recife. Chegamos cedo. Ao todo éramos uns sete ou oito estudantes. Custódio prometeu nos apresentar ao colunista do Jornal da Paraíba, ex-cineclubista, escritor do sucesso. E assim foi feito. Lembro que fiquei ansioso. Bráulio foi um dos primeiros escritores que conheci pessoalmente. Na época eu era um menino de 19 anos. Já sonhava ser escritor. A única coisa que tinha dele era a coleção de artigos de jornais, recortados e guardados dentro de um caderno. Seria vergonhoso pedir um autógrafo em uma coleção de recortes de jornal?

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Em 2007 tive uma ideia de fazer uma enquete literária com alguns escritores brasileiros contemporâneos que acompanhava nas páginas do suplemento Correio das Artes e no site do Cronópios. Lembrei que nos artigos do Jornal da Paraíba havia o e-mail de Bráulio Tavares. Mandei as perguntas da enquete para ele. Ele respondeu rápido que participaria, mas fez um acordo comigo. Responderia as perguntas através de sua coluna do Jornal da Paraíba. Cerca de uma semana depois estava lá às respostas uma por uma. Com a mesma maestria de sempre.

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Ainda na universidade o primeiro tema que estudei em minha vida acadêmica foi o movimento cineclubista campinense, do qual o próprio Bráulio Tavares foi um dos mais representativos participantes nos anos 1960. O professor Luís Custódio também era um deles. Assim como os irmãos e Romero e Rômulo Azevedo, este último foi meu professor de cinema na universidade depois. Umbelino Brazil era outro nome entre os cineclubistas. Ambos participaram do cineclube Campina Grande no final da década de 1960. Eram todos meninos, com seus quinze e dezesseis anos, em média. Acabei fazendo uma entrevista por e-mail com Bráulio. Oito perguntinhas, que ele respondeu com muita paciência. Era o início de tudo. Foi nesta época também que comecei a participar dos cineclubes que renasciam na minha cidade, o Machado Bitencourt na UEPB, o Mário Peixoto, na UFCG.

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Bráulio Tavares foi convidado para um evento no antigo prédio do Centro de Educação, na Universidade Estadual da Paraíba. Na época, além de estudante de jornalismo, eu fazia o curso de história, na mesma instituição. Sentei no final do auditório carregando um único bem: um exemplar do livro duplo A Espinha dorsal da Memória/ Mundo Fantasma. Edição da Rocco. Era uma manhã ensolarada. Concluído a palestra dezenas de pessoas fizeram uma fila para conversar com Bráulio. Já no final me apresentei e pedi um autófago no meu surrado livrinho comprado em um sebo em João Pessoa. Quando abriu a primeira página ele sorriu quando viu o carimbo da Livraira Beringela. Na dedicatória escreveu: “Para Bruno Gaudêncio, leitor fiel e participante, um abraço de Bráulio/2008”. Depois deste todos os livros que comprava dele pedia dedicatórias. Dia desse contei onze livros dedicados.

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Anos depois ele seria o nosso convidado para os Encontros de Literatura Contemporânea, durante o Encontro da Nova consciência, falando sobre ficção científica e lotando os auditórios que passamos. Mais um tempo depois prefaciador o meu livro “Da Academia ao Bar: círculos intelectuais e cultura impressa em Campina Grande – 1913-1953”, publicado em 2019. Antes produziu um conto para a coletânea de organizei, chamada Torturas de Amor: contos de autores nordestinos baseados em clássicos do brega.

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Hoje, 2020, comemoram-se os seus setentas anos de vida. Agradeço a sua amizade e sua existência. Esta crônica é apenas um fragmento das muitas memórias que tenho com ele. Bráulio Tavares: espinha dorsal de nossa cultura.


Bruno Gaudêncio é escritor e historiador paraibano.

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