Igor Gregório
Essa história chegou até mim através do álbum “Voz, Violão e Verso” do meu conterrâneo Bráulio Tavares, que é escritor, compositor, letrista, poeta, cantor, dramaturgo, tradutor e pesquisador de literatura fantástica paraibano.
No álbum Bráulio, na narração que antecede a música “Mr. Tambourine Man”, conta como se deu o encontro do Rei do Ritmo com o Rei do Folk na feira de São Cristóvão no Rio de Janeiro.
Verdadeira ou não, eu achei uma história fascinante! Pois o encontro de dois universos tão diferentes ligados pela música é algo fantástico, que mesmo que não tenha acontecido, a literatura, a música e a poesia tornam verdadeiro.
Dessa forma, nesse folheto, procuro não somente homenagear os Reis, mas também Bráulio e os feirantes de todo Brasil, pois todos são fontes de histórias maravilhosas.
Acordo pela manhã
E o café já faz morada
Minha velha a conquistar
Esse velho camarada
Recolho minhas coisinhas
E vou cedo pra jornada
Desço o morro na trotada
Da Mangueira tão aguerrida
Hoje eu moro na favela
Mas do Norte fiz partida
Eu sou mais um exilado
Nesta terra prometida
Já na feira tão querida
Minha barraca eu preparo.
Da bondosa São Cristóvão
É que provenho o meu amparo!
Dela vem tudo que tenho
É nela, que a vida eu encaro!
Por aqui eu sigo meu faro
Vejo o funcionamento.
Ligado, sou um vendedor
Rápido que nem o vento!
Em minha nobre barraca
É constante o movimento.
E tenho aqui condimento
Tenho roupa pra fogão
Tenho tecido de chita
Tenho cachaça e limão
Tenho beiju e rapadura
Tenho tudo do Sertão
Nordestino aqui é grão
Espalhado em todo canto
A procura de um emprego
E dois tantos de acalanto!
Por um trabalho e um patrão
Já vi pai sofrendo em pranto!
Pois não existe nenhum santo
Que acalente um coração
De quem distante de casa,
Em cima de um caminhão,
Chora pela despedida
Do tão querido Sertão!
Na feira de São Cristóvão
Sim, vejo a tristeza vir!
Mas é claro, eu também vejo
Muita gente a sorrir!
Em música sanfonada
Vejo a bonança luzir!
Então sorrindo vou abrir
A história que vou narrar!
Numa noite carioca
Banhada pelo luar
Como um grande nordestino
Pôs um gringo pra sambar.
Uma trombada de encantar
Desses dois desconhecidos
Um cabra da Paraíba
E um dos Estados Unidos
Um cabra só no pandeiro
E o outro só nos “Cigarritos”
Espiem só meus queridos!
O tocador do pandeiro
Era mais um Zé na feira
Mas rodou o país inteiro
Sendo o grande Rei do Ritmo
Sendo Jackson do pandeiro
Mas antes desse floreio
Ele vinha aqui pra feira
Tocando coco e embolada
Fazendo samba e gafieira.
Tomando cana, fazia
Festa pela noite inteira
E foi numa sexta feira
Que ele chegou na zoada!
Me pediu uma garrafa
Já virando uma lapada
Depois chispou para mesa
Tocando sua embolada
Jackson e seus camaradas
Começaram a beber
E no seu pandeiro, o samba
Começou logo a ferver
E na roda musical
Eu também fui tremer
Mas antes de acontecer
Um cabra de lá gritou:
– Ei companheiro, vem cá!
E de mim, se aproximou!
Me levando para um canto
A ladainha me chorou:
– Eu não sei para onde vou
Com esse gringo maldito!
Eu olhei com o canto do olho
E lá estava o bendito.
Era o tal de Bob Dylan
Tragando seu “Cigarrito”.
Como eu conheço o “bonito”?
Eu conto no finalzinho.
Voltando pra o fumaceiro
O cabra disse baixinho:
– Esse gringo quer mais fumo
Ele que mais cigarrinho!
Eu respondi rapidinho:
– Aqui eu só tenho cachaça!
Depois de pensar um pouco
Ele falou na fumaça:
– Traga aí que eu vou beber
Pra aguentar essa bagaça!
Depois daí vi na praça
O gringo gesticulando
E pedindo ao seu amigo
Pra levantar e ir andando
Chamar o nobre Jackson
Que estava pandeirando!
O Cabra foi praguejando
E todo descompensado,
Mas obedeceu ao gringo
Do dinheiro esverdeado
Voltou trazendo Jackson
Pela grana interessado.
Jackson, matuto ligado
Até maxixe tocou.
O gringo ficou abismado
Bateu palmas, se alegrou!
O pandeiro foi moendo
E o moído começou!
O branquelo se jogou
Adentrando na canção
Dando batidos de palma
Dando pisadas no chão
Jackson lascava o pandeiro
E exibia a vocação
A feira em ebulição
Fez a roda pra dançar
Era menino, era homem
Era mulher a sambar
Todo mundo festejando
Sem ver a noite passar
E leve como o planar
Jackson diz: – Rapaziada,
Já está na minha hora.
Vou descer para quebrada
Para os braços da Morena
Senão, entro numa enrascada!
Todo mundo fez zoada
E o gringo foi interferir:
– Hey! Mr. Tambourine man
Play another song for me!
Ninguém entendeu foi nada
O povo começou a rir!
– Play another song for me!
Repetiu ele sorrindo
E Jackson humildemente
Já foi logo se bulindo
Mas avisando pra todos:
– Gente, depois dessa eu findo!
E com o gringo sorrindo
Jackson fez o chão tremer
O povo a se abufelar
O gringo a cana beber
E a minha nobre barraca
Se acabando de vender
E quando acabou o ferver
Palmas o gringo bateu
O povo quase que endoida
Da alegria que viveu
A feira se iluminara
Com a luz que o samba deu!
Depois que tudo ferveu
E eu me encostei bem faceiro
O pobre amigo do gringo
Caminhando pro banheiro
Me disse que o gringo tinha
A fama do mundo inteiro
Eu disse: – Mas companheiro
Aqui ninguém o conhece!
– Bob Dylan o nome dele
E ele quase me endoidece!
Amanhã ele vai emboraw
Se Deus ouvir minha prece.
Mas o samba prevalece
Sobre a reza equivocada!
Bob e Jackson vão se saindo
Pelo rumo da alvorada
E o Cabra lá no banheiro
Perde essa dupla danada!
E lhes digo, camaradas:
Música não dá calote!
Une nordestino e gringo
Une nota, verso e o mote!
E findando o moído, une
O Rei do Ritmo e o do Folk!
FIM
Igor Gregório é natural da Cidade da Parahyba, Paraíba. Filho de Vilma e esposo de Priscilla. Exerce a profissão de Eletrotécnico em paralelo a escrita. É amante da boa literatura, da poesia e do cordel brasileiro.
História incrível! Esse é o nosso país, de cores, sons e de gente honesta. Viva Jackson, que tem nome de gringo—filho de Jack—e rebolado de brasileiro.